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Análise: Itamaraty orientou países a deixarem de falar em desdolarização e encontro do BRICS perdeu relevância

  • Foto do escritor: Isabela Rocha
    Isabela Rocha
  • 23 de jul.
  • 6 min de leitura

A ausência dos presidentes da Rússia e da China no encontro deste ano no Brasil reflete indiretamente uma redução da relevância do bloco no atual contexto geopolítico internacional. No Rio, nenhum acordo multilateral relevante será assinado.


Publicado originalmente no The Conversation

Por Isabela ROCHA


No início do ano, publiquei um artigo sobre como a escalada tarifária dos EUA era uma oportunidade para o processo de desdolarização, rumo a uma nova ordem multipolar liderada pelo BRICS. Argumentei que, ao utilizar tarifas como instrumento de coerção econômica, os EUA estavam estimulando a busca de alternativas por parte das economias emergentes. O uso arbitrário do dólar como arma política instigava países a fortalecerem sistemas próprios de pagamento, ampliar acordos bilaterais e investir em instituições financeiras alternativas. O enfraquecimento da confiança no dólar, combinado com uma crescente interdependência entre economias do Sul Global, abria espaço para uma reorganização do sistema internacional, e que a Cúpula do BRICS em 2025, sob presidência brasileira, poderia surgir como um marco para essa transição.


Não foi o que aconteceu. Deliberadamente apressada, a presidência brasileira do BRICS preparou uma Cúpula modesta em acordos multilaterais. Ao longo do ano, apresentou eventos reduzidos no escopo da agenda institucional, e poucas atividades no escopo da Diplomacia Pública.


A diplomacia pública, aqui, refere-se às iniciativas voltadas à construção de legitimidade e engajamento internacional que extrapolam os canais formais entre governos, incluindo aí universidades, centros de pesquisa, empresas, sindicatos, organizações da sociedade civil e iniciativas culturais. No Brasil, a sociedade civil tem mostrado disposição para esse tipo de engajamento e, mais que isso, manifesta preferência clara por uma aproximação com o BRICS em detrimento dos Estados Unidos. Segundo o relatório Latam Pulse, por exemplo, o Brasil é o único país da amostra em que o BRICS aparece como principal referência de alinhamento internacional preferido, inclusive à frente dos EUA. Nesse mesmo sentido, a China também é o parceiro comercial preferido dos brasileiros.


No entanto, faltou apoio institucional concreto - bem como vontade política - para a promoção de eventos que partissem da sociedade civil. Diversos grupos interessados em contribuir com debates sobre tecnologia, soberania digital, comércio em moedas locais e cooperação Sul-Sul esbarraram em silêncio ou obstáculos administrativos. Em vez de abrir as portas da Cúpula para a sociedade, a presidência optou por um modelo fechado, vertical, apressado e pouco responsivo, desperdiçando a chance de consolidar uma base social de apoio à transição Multipolar. Isso se deu por um motivo claro: a preocupação com os Estados Unidos, que levou o Itamaraty a pedir que se parasse de falar do BRICS como artífice de um movimento de desdolarização da economia mundial.


Previsão de fortalecimento institucional do bloco não aconteceu


A agenda central da presidência brasileira do BRICS, inicialmente, era o fortalecimento institucional do bloco. Mas isso não aconteceu. Ao longo dos eventos contidos na agenda da presidência, foram celebrados apenas Memorandos de Entendimento de escopo reduzido, e nenhum Acordo Multilateral.


Memorandos são menos vinculantes do ponto de vista jurídico. Não geram obrigações legais firmes entre as partes, e servem mais como sinalizações de intenção do que como compromissos executáveis. Ao contrário dos Acordos Multilaterais, que exigem ratificação e implicam deveres formais, os memorandos podem ser ignorados sem consequências legais concretas.


Por exemplo: em 2014, também sob a presidência brasileira do BRICS, foram firmados acordos importantes, que fundaram o New Development Bank (NDB), o “Banco do BRICS”, e o Arranjo Contingente de Reservas (CRA), um mecanismo de reserva monetária multilateral com capital inicial de 100 bilhões de dólares, visando segurança cambial mútua entre os países membros. A partir destes acordos celebrados há 11 anos, o BRICS passou a contar com instrumentos jurídicos robustos e institucionalizados, capazes de operar com autonomia financeira e impacto direto nas economias dos países membros. Nada desta magnitude está sendo celebrado agora em 2025.


É perdoável que, no âmbito dos Conselhos de Juventude do BRICS (BRICS Youth Summit), que reúne autoridades de governo e integrante da sociedade civil, sejam celebrados memorandos ao invés de acordos. Afinal, tratam-se de iniciativas incipientes e voluntárias. No Conselho de Juventude do BRICS deste ano, foi assinado o Memorando de Entendimento e Cooperação em Matéria de Juventude, que não dá origem a compromissos legais ou fundo comum para financiar projetos juvenis reais.


No âmbito da educação e do desenvolvimento técnico-científico, a Carta da Aliança de Cooperação em Educação Técnica e Profissional (BRICS-TCA) permaneceu só no campo da boa vontade enquanto declarava expressamente que “não cria obrigações legais entre os países membros”. Chama a atenção o fato de esta iniciativa em particular ser liderada por instituições técnicas e coordenada por Ministros da Educação, mas mesmo assim ter permanecido apenas no campo da cooperação voluntária. Sem status jurídico internacional, sem orçamento comum e sem garantia de implementação.


Fórum parlamentar esvaziado


No entanto, o mais preocupante exemplo de esvaziamento institucional da presidência do Brasil no BRICS foi o 11º Fórum Parlamentar do BRICS, celebrado mês passado em Brasília. Espaço estratégico em que legisladores dos países membros podem alinhar agendas, harmonizar propostas regulatórias e construir a base legal necessária para transformar decisões diplomáticas em políticas públicas, o fórum produziu apenas um superficial memorando de entendimentos, e nenhum acordo.


Perdeu-se, ali, mais uma oportunidade de formalizar compromissos legislativos conjuntos, criar comissões temáticas permanentes ou mesmo avançar em diretrizes comuns sobre regulação digital, segurança energética e moedas locais. Novamente, a presidência brasileira desperdiçou o momento político ideal para dotar o Fórum Parlamentar de peso institucional real.


Além disso, os projetos com o NDB foram reduzidos. A despeito da confiança atribuida à Dilma Roussef, atual presidente do banco, pouco foi feito no contexto da presidência brasileira. Embora o destaque financeiro da cúpula deste ano seja o lançamento do fundo multilateral destinado a impulsionar investimentos nos países membros e convidados do BRICS, sua implementação dentro da estrutura do NDB foi uma iniciativa técnica que já havia sido aprovada anteriormente, e não reflete projetos assinados ou financiamentos adicionais impulsionados pela agenda brasileira.


Isso demonstra uma posição do Ministério das Relações Exteriores do Brasil de contenção e reorientação da agenda do BRICS para uma atuação discreta, previsível e esvaziada estrategicamente. Internamente, houve vetos explícitos à linguagem da desdolarização. A diretriz foi clara: não tensionar a arquitetura financeira internacional vigente, manter o BRICS como um fórum de enunciação e não de transformação, e evitar compromissos formais que pudessem contrariar interesses externos.


A influência dos EUA


Tudo isso tem relação direta com a presidência de Donald Trump. Trata-se de um posicionamento cauteloso diante de um vizinho poderoso e instável. Minimizando as declarações incendiárias do presidente estadunidense, o Itamaraty adotou uma postura tímida, evitando confrontos retóricos. Mesmo diante de provocações diretas, como a do Secretário da Defesa dos EUA, Pete Hegseth, que ameaçou a América Latina ao dizer que os EUA iriam recuperar o seu quintal, o Brasil optou por adotar uma postura branda.


Essa escolha reverberou internamente. O Ministério das Relações Exteriores instruiu outras pastas a moderar o tom, interromper discussões sobre desdolarização e manter a presidência brasileira do BRICS dentro de um formato mais protocolar. Preferiu-se não desagradar, mesmo que o custo fosse abrir mão de protagonismo e limitar o espaço para uma atuação autônoma.


O resultado foi uma presidência apressada, hesitante e incapaz de dar respostas à altura dos desafios geopolíticos colocados. O tarifaço imposto pelos Estados Unidos, que atingiu em cheio o aço e o alumínio brasileiros, não gerou qualquer reação coordenada por parte do bloco. E a despeito de rumores de bastidores, de que haveria disposição entre os membros para uma resposta conjunta do BRICS contra o tarifaço de Trump, nada foi formalizado. Nenhuma resolução política, nenhum acordo estratégico, nenhum gesto público.


O silêncio foi ensurdecedor, e a ausência de uma posição, reveladora. Em vez de liderar, o Brasil assistiu. Em vez de articular, evitou. E, ao final de seu turno à frente do BRICS, o que restou foi uma presidência marcada não por transformação, mas por contenção. Não por visão, mas por temor. Não por soberania, mas por subordinação.


O momento de reorganização do sistema internacional estava à disposição mas, diante dele, o Brasil se calou. E nessa cúpula cujo ápice será o encontro de líderes na semana que vem - também já esvaziado pela ausência confirmada de Xi Jinping, Vladimir Putin e Masoud Pezeshkian, presidente do Irã - o Brasil parece ter perdido a chance de liderar o mundo rumo a uma nova ordem multipolar.

 
 
 

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